terça-feira, 2 de novembro de 2010

DEVOLVAM O TREMA - Parte 1

Para incentivar uma maior integração entre os países de língua portuguesa e, ao mesmo tempo, com o objetivo de buscar maior difusão deste sistema de comunicação, o novo Acordo Ortográfico instituiu, dentre outras medidas, a abolição do trema, também chamado de diérese (por acaso alguém conhecia esse nome?), aqueles dois pontinhos que são (ou eram?) sobrepostos sobre a letra u em palavras como argüir, lingüiça e qüinqüênio. Por esse acordo, foi concedido um período de transição de 1° de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, durante o qual ambas as grafias poderão ser utilizadas.
Embora eu seja a favor de medidas que versem no sentido de difundir a nossa língua, achei as mudanças outorgadas inócuas, uma vez que elas não simplificam a gramática – e na minha opinião até a torna a língua portuguesa mais difícil!
Ora, se era para facilitar o aprendizado, vejamos algumas das mudanças que poderiam ter sido mais eficientes:
- Abolição do “ç”. Afinal, ele pode ser substituído pelos “ss” ou, em alguns casos, pelo “s” sem prejuízo da pronúncia. Além disso, ficaria mais fácil saber como escrever corretamente, por exemplo, palavras como maçaneta, caçarola ou assadura. E até os teclados do computador seriam mais fáceis de configurar. Eu, por exemplo, fiquei muito tempo sofrendo pra conseguir digitar o “ç” no meu novo notebook!
- Eliminação do “s com som de z”. Se já há o z pra cumprir essa função, para que outra letra? Resposta: pra complicar apenas. Não estou certo? Reconheço que no início ficaria estranho escrever “cazamento”, “rezolver”, “empreza”, etc, assim como é difícil engolir idéia de escrever a palavra idéia sem acento. Opa, o meu corretor ortográfico do programa redator de textos acabou de acentuar a palavra ideia!
- Permitição do uso de construções que são consideradas erradas e até “pecaminosas” contra a fala portuguesa. Aí eu vou poder falar, sem medo de me corrigirem com aquelas piadinhas de sempre:
“– Eu vi ela ontem.” “– Dã, viela é rua!”
Ou então:
“– Era pra mim comprar...” “– Uga uga, mim não compra, sou eu que compro!”
E tem mais:
“Eu subi pra cima ao mesmo tempo em que ele saiu pra fora.” (essa eu nem comento!)
- Aceitação de grafias que já caíram no linguajar da população. Neste caso, ninguém mais iria chamar de quadrúpede quem pronunciasse frases assim:
“– Ele guspiu no chão.” (Conjugue o verbo cuspir e verá que não tem “guspiu” em nenhum tempo verbal.)
“– O mendingo pedia esmola na esquina.” (Alguém tem alguma dúvida que o certo é mendigo?)
“– Comprei duzentas gramas de mortandela.” (Dois erros de uma só vez! Grama, no feminino, só aquela que tem no pasto, então são duzentOs gramas e a delicatesse italiana chama-se, corretamente, mortadela).

Opa! Acabei de ter uma recaída! Como realizar esse sacrilégio com a nossa querida língua portuguesa! Isso não se faz, e sabe por quê? Porque a língua não tem como única função a de comunicação. Se fosse só isso diálogos do tipo “Os mano chegô e levô uns lero com as mina.” resolveriam a questão. Afinal, tudo mundo entendeu.
Mas a língua é história! Através dela aprendemos mais sobre a evolução da humanidade e a criação de formas cada vez mais complexas de exprimir pensamentos.
A língua também é arte! E isso pode ser visto até nos odiados poemas de Augusto dos Anjos! (Antes que me critiquem por usar a palavra odiados, quero dizer que eu os adoro!). Enxotar a cedilha da língua portuguesa é como apagar a mesa da tela da Santa Ceia de da Vinci! Ou executar a ópera Carmina Burana, de Carl Orff, sem a sua introdução!
Eu posso até aceitar a palavra idéia (meu corretor ortográfico de novo!) sem acento, tirar o hífen de palavras que tinham ou acrescentar em outras que não tinham, mas enxotar o trema do português, como se faz com cachorro sem dono, ah, essa não dá pra engolir!
É difícil aceitar a nova grafia de palavras como cinquenta, eloquente, pinguim e tranquilo. E mais uma vez tive que “enganar” o meu corretor ortográfico!
O trema, este sutil diacrítico que descansa e ao mesmo tempo eleva o “u” em certos vocábulos faz parte da própria etiologia língua. E eliminá-la deixará a nossa querida língua portuguesa um pouco aleijada! Você poderá dizer “ah, não vai fazer diferença, é como perder um pedaço do dedo mínimo do pé esquerdo!” Ainda assim, ela será uma língua amputada!

Devolvam o trema! Restituam a nossa diérese!
ARGOS         

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